Numa concentração que reuniu ao longo de duas horas, cerca de três centenas de emigrantes em protesto contra o encerramento de quatro consulados de Portugal em França, as críticas ao governo pontuaram as várias intervenções de portugueses residentes no estrangeiro.
Arsénio Santos está em França desde 1979, é taxista, natural de Rio Maior, por casamento está em Sátão, Viseu e deslocou-se de propósito a Lisboa. “Estou aqui contra o fecho dos consulados em particular, em França, já que em França todos nos teremos de deslocar para um só local – Paris e vai ser pior. Eu estou dependente do consulado de Versalhes e ir a Versalhes ou a Paris, é particularmente igual, o pior vai ser o tempo de espera, já que o Consulado de Paris atende 120.000 pessoas e com o fecho de todos os outros vai atender 600.000 e aí, a afluência vai ser muito grande”. Entende que a política deste governo para com os emigrantes “é uma política «estúpida»”, e diz que “não se compreende que reneguem tudo o que até aqui foi feito. Um Consulado é propriedade de Portugal, não é para lapidar. E temos que ver no que respeita aos filhos
dos emigrantes, se o consulado for longe, o filho nasce e nós não iremos declará-lo ao Consulado. No futuro vamos perder a nacionalidade dos filhos dos emigrantes. No que respeita a eleições, já há muitos poucos emigrantes a votar, por causa das deslocações para nos recensearmos, se se fecha os Consulados, as pessoas que se tenham que deslocar 300 ou 400 Km, nunca mais põem lá os pés”. Este emigrante deslocou-se num dos dois autocarros que vieram quase repletos de pessoas só do concelho de Vila Nova de Paiva, um dos concelhos com mais emigrantes de Portugal. Rodrigo de Jesus Cleto, de 56 anos é emigrante em Orssay, França, e não quis deixar de estar presente. Natural do concelho de Penedono, aldeia do Telhal, está emigrado há 36 anos, é pedreiro de profissão e refere que “os consulados não podem fechar, fazem muita falta a todos, penso que com estas manifestações, se consiga resolver alguma coisa”.
David Capelo de Brito era outro dos manifestantes, que, juntamente com a esposa e filhos, debaixo de um sol abrasador revelou que nasceu em França. “O sangue é português, mas nasci em França, meus pais são da Póvoa de Varzim e viemos de propósito, de carro, logo pela manhã a Lisboa, para que o Consulado da nossa área de residência – Orleãns não feche, o consulado faz falta, é o bilhete de identidade é registo das crianças e é andar para trás, para o tempo dos nossos pais que diziam que tinham que ir dormir para porta dos consulados nesse tempo, para serem atendidos. E o governo não se pode esquecer que agora muita malta portuguesa, devido à falta de dinheiro e trabalho em Portugal, voltam para o estrangeiro, emigram”.
Com dois filhos pequenos diz que o ensino de português na sua zona – vive numa aldeia em França- não existe e o pouco português que os filhos sabem, são eles que lhes ensinam.
De Orleãns, mas natural de Celorico de Basto, veio António Ferreira, outro dos manifestantes, de 49 anos, emigrado há 25 anos, em França, onde trabalha numa empresa de trabalhos públicos. Veio com o filho que já lá nasceu e queixa-se que “os consulados não podem fechar, pois fazem cada vez mais falta, já que os nossos filhos se vão esquecer de Portugal, por não terem onde tratar dos papéis. Hoje em dia há três Consulados em Paris e as bichas são intermináveis, se passarmos a ter só um, esse não vai ter mãos a medir, e então o melhor é montar tenda à porta e ir viver para lá uma semana para sermos atendidos”.
A manifestação teve início depois do hino, com António Fonseca, porta-voz do Colectivo de Defesa dos Consulados de Portugal em França, entidade promotora do protesto, a manifestar-se disponível para ajudar o governo português a encontrar uma solução que evite o encerramento dos quatro consulados.
Num discurso empolgado deu as boas-vindas à Praça do Rossio “que durante duas horas vai ser transformada na Praça da resistência, na praça da resistência dos emigrantes à decisão do governo de encerrar o Consulado de Norgent sur Marne, Versalhes, Tours e Orleãns”. O responsável referiu que “esta luta começou há sete meses e não vai acabar hoje, pois a decisão do governo é contrária aos interesses dos emigrantes. Os emigrantes não estão só a lutar por si, estão também a lutar por Portugal, esta decisão do governo, não tem motivos reais, o motivo que nos apontaram que era necessário fazer poupanças, mas é preciso saber que os consulados não dão prejuízo, até dão lucro, os quatro consulados que vão ser encerrados custam ao Estado português 600 euros por dia e que rendem ao mesmo estado 5 mil euros, ou seja um diferencial favorável de 4.400 euros, ou seja, 1 milhão e seiscentos mil euros de ganhos para Portugal por ano. O segunda motivo que nos indicam é que esses consulados estão a prestar um mau serviço aos emigrantes, dado terem falta de pessoal, mas de quem é a culpa?”
António Fonseca lamentou ainda que um terço dos consulados que o governo quer encerrar sejam em França, país que acolhe mais de 1 milhão de portugueses e luso-descendentes.
Vinte câmaras apoiam
Para António Fonseca “há um desequilíbrio total”, uma vez que a região norte de França, onde vivem 700 mil portugueses, apenas vai ficar com quatro consulados (depois do encerramento) e na região sul, onde residem 300 mil portugueses, ficará a contar com cinco postos consulares.
António Fonseca assegurou ainda que “os emigrantes não vão baixar os braços. Vamos continuar esta luta”. De seguida referiu as 20 câmaras que prestaram apoio a esta causa, emprestando autocarros, ou divulgando a manifestação – Almada, Batalha, Bragança, Caminha, Castro Verde, Celorico da Beira, Covilhã, Estarreja, Fafe, Faro, Miranda do Corvo, Moita, Ovar, Paços de Ferreira, Santa Comba Dão, Sátão, Vila Nova de Cerveira, Vila Pouca de Aguiar, Vouzela, Vila Nova de Paiva. “Como são Câmaras de diferentes fracções partidárias, refutamos o que se espalhou na comunicação social, que esta era uma luta partidária”, acrescentou.
Manuel Custódio, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Paiva, também discursou referindo que foram os emigrantes que nos finais dos anos 70 e no início dos anos 80, contribuíram para que o Fundo Monetário Internacional, não retirasse o tapete “se não nós tínhamos caído no abismo e foram as remessas dos emigrantes que levaram que o FMI fiasse em nós, portugueses”. “São hoje a terceira receita de Portugal, já foram a segunda fonte de receita, depois do turismo e dos Fundos da União Europeia. Entram em Portugal 7 milhões de euros por dia, por isso, eles merecem muito mais respeito, por parte do governo”, referiu ainda o autarca, destacando que estava presente na concentração para manifestar o seu apoio aos emigrantes do seu concelho, onde 50 por cento da população reside no estrangeiro, sobretudo em França. “Vila Nova de Paiva é um concelho de emigrantes. No mês de Agosto a população mais que duplica, passando de 6 mil para 13 mil”, salientou, acrescentando que é na sua região que fica Queiriga, “a freguesia mais francesa de Portugal e Vila Cova à Coelheira a freguesia mais brasileira de Portugal”.
Manuel Custódio frisou ainda que o governo, ao encerrar os consulados, vai contribuir “directa ou indirectamente para a desertificação do interior do país, pois muitos dos emigrantes vão deixar de vir a Portugal de férias”, e rematou o discurso, frisando “este governo é «cão que não conhece o dono» e «cospe no prato onde comeu»”-
“Nós mandamos milhões é tempo do governo cumprir as suas obrigações” era uma das palavras de ordem, gritadas. “Governo ganha juízo os consulados não dão prejuízo” , “Cavaco presidente obriga o governo a respeitar a gente”, ” Emigrantes não nos vamos calar, o governo tem que nos escutar”, “Emigrantes determinados, os consulados não serão fechados”, foram outras das frases ouvidas na Praça do Rossio.
Outros problemas
Mas nem só dos Consulados que se falou. A redução e fim do porte pago, aos jornais “principais elos de ligação de Portugal com a comunidade emigrante, as questões do ensino do português no estrangeiro, o fim da conta poupança emigrante, a não regulamentação da lei da contgaem do serviço militar são outros dos problemas que nos afligem”, referiram os responsáveis. Na concentração do Rossio estiveram ainda presentes organizações dos ex-militares de França e do Luxemburgo, em protesto contra o não reconhecimento do tempo de serviço para efeitos de reforma. José Maximino Neves natural de Sortelha, Guarda, e emigrado em Versailhes, França desde 1971. falou desse problema. “Para nós é uma pena, já que o meu tempo de tropa não contou para o tempo de descontos para a reforma. Fomos para Timor, mas disseram-nos que fomos de férias, lá estive desde 1968 a 1971, ao todo foram quatro anos de tropa”. Motorista de táxi a sua revolta vai para a não regulamentação da Lei da Contagem do tempo de tropa aprovada, mas está também contra o fecho anunciado dos Consulados.
No mesmo dia o Secretário de Estado das Comunidades, António Braga, deu uma conferência de imprensa, onde desmentiu o fecho dos consulados.