Os arpões usados na caça à baleia nos Açores durante décadas foram substituídos por máquinas fotográficas digitais “apontadas” por grupos de turistas ávidos de captar o movimento dos cetáceos, localizados no mar por “vigias” em terra.
A observação turística de golfinhos e baleias no meio selvagem (whale watching) apareceu como actividade económica no arquipélago no início dos anos 1990, após a proibição da caça à baleia que durante décadas sustentou várias famílias, sobretudo nas ilhas do Pico, Faial e São Miguel. Na região estão licenciadas 23 empresas de “Whale Watching”, distribuídas por cinco das nove ilhas (São Miguel, Faial, Pico, Terceira e Graciosa), que, além da simples observação dos cetáceos, proporcionam aos clientes outras actividades, como mergulho ou natação com golfinhos. Pela primeira vez de férias na ilha de São Miguel, nos Açores, os espanhóis Irene Alvarez e Victor San Marcos descobriram a possibilidade de ver de perto baleias e golfinhos através do seu guia-turístico de bolso e não se fizeram rogados à “aventura” marítima.
“Estamos muito expectantes”, afirmou à agência Lusa o casal de Madrid, que escolheu o arquipélago para passar uma semana de férias por ser um local “tranquilo e diferente” e onde “ainda não há um turismo massificado”.
Antes de qualquer saída para o mar, decorre uma sessão explicativa de quinze a vinte minutos, de modo a que todos os participantes saibam o que vão ver e como se vai processar a viagem a bordo dos barcos semi-rígidos.
Em inglês e português, Rui Rodrigues, um dos donos da empresa Futurismo, explica que cabe aos “vigias”, homens que se encontram em pontos estratégicos e de boa visibilidade junto à costa, dar as coordenadas via rádio, para que as embarcações encontrem as baleias no mar durante os dois ou três passeios realizados por dia. Além de dados históricos sobre a baleação, Rui Rodrigues informa que o “cachalote é a baleia mais emblemática dos Açores”, dado que é nas suas águas quentes que crescem estes animais, que podem atingir 20 metros de comprimento e mergulhar até três mil metros de profundidade à procura dos moluscos com que se alimentam. Antes de vestir os coletes salva-vidas e zarpar da marina de Ponta Delgada, Rui Rodrigues lança o aviso habitual: “Isto não é o oceanário, é o oceano, por isso tenham expectativas moderadas”, acrescentando que, no caso de não ser possível ver baleias, o preço do bilhete será devolvido. As saídas para o mar, que duram cerca de três horas, permitem manter viva a chama da baleação, actividade que está associada à primeira vaga de emigração de açorianos para os Estados Unidos da América, em busca de trabalho nas frotas baleeiras vindas de terras do “Tio Sam”. Para Hélder Silveira, presidente da Associação Açoriana de Empresas de “Whale Watching”, este produto turístico, que “tem sabido cumprir as regras ambientais impostas”, tem atraído a atenção de cada vez mais estrangeiros, continentais e açorianos, sobretudo durante os meses de Verão. “Há quem tenha incluído no seu pacote turístico a observação de baleias, outros conhecem as empresas no hotel ou através de anúncios publicitários”, afirmou o responsável, acrescentando que os preços variam, em média, entre os 25 e 50 euros por pessoa e que algumas empresas mantém a actividade durante todo o ano. O rumo do semi-rígido, de oito metros e meio de comprimento e capacidade para 12 passageiros e dois tripulantes, deixa a baia de Ponta Delgada ao início da manhã e ruma ao largo de Ponta Garça, onde foram avistadas baleias de terra. “Temos espalhados pela costa sul de São Miguel quatro a cinco postos de vigias que nos ajudam a saber com exactidão onde estão os animais”, afirmou o skipper Vítor Amaral, que há cinco anos conduz os turistas até junto dos cetáceos.
Baleeiros do Séc. XXI
Segundo explicou, durante os meses de Verão é comum avistarem-se nas águas açorianas cachalotes fêmeas com as crias e no Inverno mais cachalotes machos. Quase uma hora depois da partida e depois de um breve encontro com uma tartaruga e um tubarão, avista-se, a sete milhas da costa, dois cachalotes com cerca de nove metros de comprimento e começa a sessão fotográfica. Para salvaguardar o bem-estar animal, mas também precaver os observadores, desde 2004 que vigora no arquipélago legislação que impõe, entre outras regras, desligar os motores dos barcos em presença dos cetáceos, a permanência a uma distância de 50 metros e não mais do que trinta minutos.
Além disso, as empresas de “Whale Watching”, para serem licenciadas, têm de ter tripulações habilitadas académica e profissionalmente, com conhecimentos sobre meteorologia e oceanografia. Jorge Leal, da Direcção Regional do Turismo, referiu à Lusa que, após um “boom” inicial da actividade nas ilhas, houve a preocupação de profissionalizar um produto que materializa a imagem de “turismo natureza”, que os Açores estão a vender. “O limite de 25 barcos nas ilhas do Faial, Pico e São Jorge já foi atingido e, em São Miguel e Santa Maria, faltam seis para atingir o limite máximo das 20 embarcações”, afirmou Jorge Leal, alegando continua a ser possível abrir empresas de “Whale Watching nas restantes ilhas, dada a pouca oferta. No mar dos Açores, podem ser observadas cerca de 24 espécies de mamíferos, com especial destaque para os cachalotes e os golfinhos comuns. Antes do regresso a terra, tempo para observar a “simpatia” de um grupo de golfinhos (Roaz Corvineiro), que encantou o casal madrileno e os restantes tripulantes da embarcação, sensações que o skipper Vítor Amaral já se habituou a ver nos rostos dos turistas que ousam ser, por umas horas, os “baleeiros do século XXI”.