A visão de Machu Picchu é realmente esmagadora!
Situada a mais de 2.400 metros acima do nível do Mar, é constituída por aproximadamente 200 construções em pedra espalhadas por uma superfície de cerca de 1 km2, correspondendo a uma área com 530 metros de comprimento por 200 metros de largura, que foram edificadas no estreito e acidentado topo de uma montanha, numa espécie de promontório rochoso, que une aquela elevação com outra mais alta, a Huayna Picchu, localizado 450 metros acima do Rio Urubamba, cujas águas correm num desfiladeiro, muitas vezes bordejado de rochedos abruptos, sendo que todo o complexo é envolvido por uma selva quase que impenetrável!
Perante esta singular e admirável realidade, há muito que Machu Picchu é considerada uma obra prima da arquitectura e da engenharia!
Imagine-se pois, como Hiram Bingham, o explorador norte-americano citado nas anteriores “NOTAS DE VIAGEM”, deve ter ficado perplexo, quando, no já remoto 1911, foi confrontado com o que acabava de descobrir!?
Seguramente que, naquela altura, encontrar imponentes construções em pedra, a tão grande altitude, cobertas por vegetação tropical, que evidenciavam ter sido abandonadas há muitos séculos, deve ter sido uma experiência indescritível!
Prova disso, é o que o explorador escreve então no seu diário, “Acreditará alguém no que eu encontrei?“
Será ainda de destacar, que Hinram Bingham não procurava encontrar esta cidade, cuja existência quase que permaneceu inteiramente desconhecida durante anos e anos.
O norte-americano tinha como objectivo descobrir Vilcabamba, cidade tida como último reduto da resistência dos Incas aos conquistadores Espanhóis, e, depois de durante vários anos e diversas viagens e explorações na zona, acabaram por ser índios Quechuas conhecedores do local, que o conduziram até às ruínas da “Cidade Perdida dos Incas“.
Machu Picchu nunca foi completamente abandonada, como prova o facto de sempre terem vivido na área alguns índios, que, de acordo com relatos de Bingham, lhe disseram que ali estavam “…livres de visitantes indesejáveis, militares procurando ‘voluntários’ para o exército ou cobradores de impostos…“, razão porque nas anteriores “NOTAS DE VIAGEM” escrevi que este explorador tinha redescoberto o local.
Foi também Hiram Bingham que no primeiro livro que dedicou a este espantoso achado, criou a expressão que acabaria por tornar Machu Picchu conhecida como “A Cidade Perdida dos Incas” (The Lost City of The Incas).
Quando iniciei a visita a Machu Picchu começou a chover. É certo que não intensamente, mas chovia! Deste modo, durante as cerca de 4 horas em que percorri o local, tive sempre esta desagradável companhia, a chuva, mas, mesmo assim, foi uma visita cheia de interesse e muito estimulante.
O complexo, como escrevi anteriormente, tem cerca de duas centenas de construções, entre as quais se encontram templos, estruturas para armazenamento, residências, praças, observatórios, mausoléus, pirâmides e centenas de escadas, bem como numerosos e amplos terraços para cultivo, fontes e sistemas de abastecimento de abastecimento de água para uso doméstico e para irrigação, destinada à agricultura.
Encontram-se perfeitamente identificados dois sectores, o urbano, que é a cidade em si própria, e a sul, o agrícola.
Em Machu Picchu, onde se admite que possam ter vivido cerca de 1.200 pessoas, na sua maioria mulheres, crianças e sacerdotes, novamente se pode encontrar, e admirar, a surpreendente técnica Inca de construção em grandes blocos de pedra, que, sem qualquer tipo de cimento ou matéria que as ligue, se encaixam na perfeição, assistindo-se ainda a uma adequada integração da arquitectura com a paisagem.
Mais uma vez, o simples visitante e a comunidade científica se interrogam como teria sido possível colocar tão grandes e pesados blocos de pedra a uma altitude tão elevada e num lugar tão inacessível!
E não nos esqueçamos que se trata de uma construção que data do século XV…
Os Incas nunca utilizaram a roda, e admitir que seres humanos empurraram pedras daquele peso e volume em encostas tremendamente inclinadas e cobertas de pujante e densa vegetação tropical, é também impensável!
Logo, o mistério permanece…
Os mitos indígenas têm contudo explicação para aquela realidade: um pássaro chamado Kak’aqllu conhecia a fórmula para amolecer as rochas, e, talvez por ordem dos antigos deuses Incas, com a sua língua puxou-as para o topo. Há ainda outra lenda, que diz que havia uma planta mágica que permitia dissolver e depois comprimir as pedras.
Já que me estou a referir a rochas, devo destacar que a mais emblemática do local é a chamada Intihuatana.
Trata-se de um único bloco de pedra, localizado no topo de uma pirâmide construída no ponto mais alto do sector urbano de Machu Picchu, significando o seu nome “onde se amarra o Sol“, e, de acordo com os ritos religiosos de então, seria exactamente este o seu propósito, ou seja, evitar que a estrela desaparecesse, ou, em última instância, assegurar o seu regresso.
Os Incas não conheciam o movimento da Terra em relação ao Sol, nem a inclinação do eixo do nosso Paneta, logo ignoravam igualmente as estações do ano como nós as identificamos.
Contudo, este tipo de informação era vital para as comunidades agrícolas, para saberem as melhores épocas para o plantio e para a colheita, pelo que tiveram esta ideia de amarrar o Sol, para que quando o mesmo resolvesse afastar-se da Terra, pudessem trazê-lo de volta. Então, segundo a mitologia, o Sol estaria amarrado ao nosso Planeta através de forças ocultas, o que permitia aos Incas puxá-lo de volta logo que começasse a fazer frio…
A Intihuatana é um bloco de granito, único, repete-se, trabalhado, multi-facetado, com vários níveis, terá na sua altura máxima 2 metros e um pouco mais na maior dimensão da base, destacando-se no centro uma pequena coluna paralelepipédica, em que os respectivos ângulos estão posicionados de acordo com os pontos cardeais, permitindo assim aos Incas prever os soltíscios.
Ainda em relação à Intihuatana, gostaria de relatar um inconcebível episódio ocorrido em 2001, quando, inexplicavelmente, ou talvez não…, as autoridades Peruanas permitiram que a agência de publicidade “J. Walter Thompson” produzisse em Machu Picchu um anúncio televisivo para a cerveja Cusqueña!
Durante as filmagens, fruto da negligência de alguns operadores, uma pesada grua caiu sobre a Intihuatana, danificando um dos cantos da pequena coluna que está no seu centro!?
O estrago então causado foi irreparável, e assim, este altar Inca que resistiu intocável a séculos e séculos de história, como resultado da, pelo menos, irresponsabilidade de homens do século XXI, aparece agora parcialmente mutilado aos olhos dos visitantes…
Em 1981, o Governo Peruano denominou a área Santuário Histórico de Machu Picchu e declarou-a zona natural protegida, abrangendo as ruínas, bem como a paisagem envolvente com as suas ricas fauna e flora, entre as quais se contam mais de 300 espécies de aves, bem como 200 tipos de orquídeas, e ainda, algumas espécies biológicas em perigo de extinção, tudo com uma superfície de 325,92 km2.
Mais tarde, em 1983, a UNESCO declarou o local Património Cultural da Humanidade, e Machu Picchu, pelas suas características arquitectónicas e paisagísticas, bem como pela aura de mistério que a envolve, que, em boa parte, também decorre do que sobre ela há muito se vem escrevendo, tornou-se um dos destinos turísticos mais conhecidos em todo o Mundo, e o principal ícone do Peru.
Curiosamente, parece que as intenções do Governo do Peru em proteger Machu Picchu, bem como o estatuto especial que lhe foi conferido pela agência especializada das Nações Unidas, foram esquecidas pelas autoridades do País, quando a multinacional “J. Walter Thompson” quis fazer um anúncio para uma cerveja local na “Cidade Perdida dos Incas“…
Palavras para quê!?…
Ainda mais um outro pormenor “delicioso”, que ouvi no Peru, sobre este maravilhoso lugar: o antigo Presidente Alberto Fujimori, que dirigiu o País entre 1990 e 2000, pensou privatizar Machu Picchu!!!
Não consegui confirmar se esta informação correspondia à realidade, se era verdadeira, contudo, sempre estamos em presença de um Chefe de Estado, que, de acordo com o “Relatório sobre a Corrupção Global” publicado em 2004 pela “Transparency International”, uma ONG que se dedica ao estudo da corrupção em todo o Mundo, liderou o sétimo governo mais corrupto nas últimas duas décadas…
Aliás, sobre as “peregrinas” iniciativas deste líder Latino-Americano, não nos esqueçamos que Fujimori, a quem também são apontados abusos na área dos direitos humanos, bem como práticas de cariz ditatorial, foi ainda protagonista de algo verdadeiramente invulgar: participando numa cimeira de Chefes de Estado da APEC, no Brunei, voou depois para o Japão, País onde se encontram as suas raízes, e resignou às funções de Chefe de Estado do Peru…comunicando tal decisão, a partir de Tóquio, através do envio de um fax!!!
Anos mais tarde, foi preso no Chile, quando chegou a este País Andino para a partir daqui ir para o Peru e “entrar” no então processo eleitoral para a Presidência da República, tendo estado na prisão entre 7 de Novembro de 2005 e 18 de Maio de 2006. Aguarda ainda a decisão das autoridades Chilenas sobre o pedido de extradição entretanto feito pelo Peru.
No próximo artigo concluirei a temática Machu Picchu.
Rui Oliveira e Sousa
Março de 2007
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