Regresso com o artigo de hoje a Porvenir, a tranquila capital da Província da Tierra del Fuego.
Como já escrevi em anteriores "NOTAS DE VIAGEM" , o traçado da cidade é comum a muitos aglomerados populacionais nesta parte do Continente Americano – uma malha urbana quadricular de ruas perpendiculares entre si, descendo para a baía, casas, regra geral, no máximo com dois pisos, grande parte delas construídas em madeira, a habitual Plaza de Armas das antigas colónias Espanholas, e, um pouco inexplicavelmente, uma ainda significativa percentagem de arruamentos sem estarem pavimentados, circulando-se sobre terra batida.
Porvenir dispõe de serviços básicos e públicos para satisfazer as necessidades primárias da população e dos visitantes ocasionais, ou seja, tem hospital, farmácia (que funciona 2h/dia no hospital), escolas (onde se lecciona até ao 12º ano), tribunal (com juiz – às vezes, em Portugal, há as instalações, mas não há juizes…), esquadra de polícia (Carabineros), cadeia, correios, alguns, muito poucos, hotéis e restaurantes, táxis, aeroporto.
Contribuindo, certamente, para a pacatez da cidade, não tem centros comerciais, nem cinema, nem teatro, não existindo qualquer espaço destinado a diversão e divertimento público.
Todavia, há um campo de futebol não relvado, pomposamente denominado estádio na documentação distribuída aos turistas, onde os quatros clubes de Porvenir praticam a modalidade.
Mas, mesmo com estas carências, segundo apurei, as pessoas são felizes e não exigem mais…
Por exemplo, o meu guia/motorista, marceneiro de profissão, que naquela função pontual fazia um favor a um amigo, tinha 28 anos, a mulher tendo como trabalho remunerado tratar de uma criança nas manhãs de cada dia, com um filho de 5 anos, disse-me que ele e a família viviam bem e não tinham especiais aspirações para concretizar.
Comentou ainda que somente tinha saído de Porvenir para visitar Punta Arenas, Puerto Natales e Ushuaia, as duas primeiras não muito distantes da sua cidade, e a outra já a uma significativa distância, dizendo também que a urbe de que gostara mais fora esta última, a capital da Tierra del Fuego Argentina, pelo seu movimento!
Como anteriormente escrevi, a vida quotidiana entre Ushuaia e Punta Arenas, a maior das cidades Chilenas que ele visitara, não tem qualquer comparação.
No pico da Época Alta do turismo, a cidade Argentina até parece ter gente a mais, tal o número de visitantes que ali se encontra, conferindo a Ushuaia uma agitação e um fervilhar urbano diário, que às vezes pode incomodar…
Mas foi disto mesmo que o Juan Carlos gostou.
Penso ainda que devo sublinhar, que para o isolamento de Porvenir muito contribui o frio, a neve, o gelo, que tomam conta de tudo e de todos, nomeadamente no Inverno!
Porvenir tem duas igrejas católicas e um lugar de culto para os crentes das Testemunhas de Jeová.
Algo que também me despertou a atenção, esteve relacionado com uma matéria muito comentada e discutida em Portugal há já alguns meses, o encerramento de maternidades, que tem envolvido políticos, especialistas na matéria, autoridades locais, a opinião pública em geral.
Pois em Porvenir não há maternidade no hospital local, e as grávidas têm de dar à luz noutras cidades, como, por exemplo, Punta Arenas, do outro lado do Estreito Magalhães, ou Puerto Natales, ainda a uma apreciável distância.
Perguntei então, se não havia parteiras na cidade, que, porventura, pudessem assegurar o nascimento das crianças, ao que me foi respondido que a lei Chilena não o permitia, era proibido, pelo que tinham mesmo de ir nascer a cidades que dispusessem de maternidades.
Naturalmente que esta situação, só teve especial interesse para mim, face à "guerra" que se instalou no nosso País, resultante da decisão governamental de encerrar algumas maternidades, visto que se assim não fosse, talvez o tema me passasse ao lado…
Do então visitado na cidade, destaco a praça principal, bem desenhada, bonita, com muitas árvores, um local que convida à fotografia, e que está próximo de outros pontos de interesse, como, por exemplo, a antiga Igreja de San Francisco de Sales, construída em finais do séc. XIX pela Ordem dos Salesianos, e o Museu Provincial Fernando Cordero Rusque.
É também aqui que se situam o Governo da Província, a Câmara Municipal, a outra igreja católica e os Correios.
A título de mera curiosidade – quando visitei a Tierra del Fuego Chilena, o Governador da Província era uma Mulher, o Alcaide, que corresponde ao nosso Presidente da Câmara, também era Mulher, e o titular do Tribunal, igualmente uma Mulher!
Ou seja, os poderes executivo e judicial estavam entregues a representantes do sexo feminino.
Sem dúvida, um bom sinal!
O museu mencionado anteriormente, que tem o nome do seu impulsionador, o Tenente dos Carabineros Fernando Cordero Rusque, foi fundado oficialmente em 16 de Dezembro de 1980, e é um local com muito interesse, permitindo ao visitante uma identificação algo detalhada com o que de mais significativo está relacionado com a Tierra del Fuego, bem como com a história de Porvenir e sua envolvente.
Assim é possível ver uma mostra da fauna fueguina, uma secção de arqueologia e antropologia, onde merece especial destaque os restos de um corpo mumificado de um aborígene da Ilha, enquanto que na secção de história se podem apreciar testemunhos dos inícios do cinema Chileno, bem como do povoamento de Porvenir, designadamente desde a chegada dos exploradores de ouro.
Também estão expostos vários objectos (pontas de flecha, utensílios em osso, crânios, etc.), bem como uma cuidada exposição fotográfica, dos indígenas que habitavam esta área da Tierra del Fuego.
O edifício e as instalações do museu são relativamente pequenas, mas o seu conteúdo é mesmo muito interessante.
Fica-se com um "retrato" claro e minucioso do que foi a história, remota e recente, daquela zona.
Com as próximas "NOTAS DE VIAGEM" concluirei a abordagem da minha visita à Tierra del Fuego Chilena.
Rui Oliveira e Sousa
Agosto de 2006
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