Na "NOTAS DE VIAGEM" de hoje, irei abordar uma das deslocações mais interessantes que fiz durante a minha estadia na Região de Magalhães e Antárctida.
Já anteriormente escrevi neste jornal, que sou um grande apreciador da Literatura Latino-Americana, nomeadamente da Chilena, pelo que existiam locais e realidades que já eram minhas "conhecidas", antes mesmo de ter ido ao Chile…
Daqui resulta que, neste caso concreto, os escritores Chilenos Luís Sepúlveda e Francisco Coloane há muito que me tinham "levado" até Porvenir.
A cidade, situada na ilha grande da Tierra del Fuego, junto à Baía de Porvenir, no Estreito de Magalhães, no lado oposto a Punta Arenas, é a capital da Província da Tierra del Fuego.
A viagem, o que visitei e vi, o almoço, as conversas tidas, fizeram com que esta visita fosse deveras agradável.
Ainda o dia não tinha nascido, quando deixei o hotel em direcção ao molhe Tres Puentes, a fim de apanhar o ferry Melinka, que me levaria até Porvenir.
Quando cheguei ao ponto de embarque, o dia começava a clarear, e já muita gente fazia fila para comprar o bilhete para a travessia do Estreito de Magalhães.
A maior parte dos passageiros era Chilena, mas também havia alguns turistas.
A barcaça ia cheia, estando lotada em termos de pessoas, bem como de veículos automóvel – alguns dos passageiros também levavam as suas viaturas.
Depois de cerca de duas horas e quarenta e cinco minutos de navegação, chegámos a Porvenir.
No cais esperava-me um Chileno que, enquanto eu estivesse na Tierra del Fuego, seria o meu guia e motorista.
O tempo estava bom – Sol, calor, ausência de chuva e de ventos fortes!
A Tierra del Fuego, tal como já referi anteriormente para a Região, também é caracterizada por baixas temperaturas, ventos fortes e mudanças repentinas do tempo.
Mais uma vez, tive sorte com o tempo!
A Tierra del Fuego, gigantesca ilha que é partilhada por Chile e Argentina, a que, respectivamente, correspondem a parte ocidental e a oriental, constituindo uma extensa área, limitada a norte pelo Estreito de Magalhães, a sul pelo Canal Beagle, a este pelo Oceano Atlântico e a oeste pelo Oceano Pacífico, deve o seu nome à visão tida pelos primeiros marinheiros que exploraram as suas costas, que, dos seus barcos, observavam em terra inúmeras e constantes fogueiras, para as quais não encontravam explicação.
Acontece que quando os Espanhóis chegaram à região, o território estava habitado por quatro grandes etnias indígenas, diferenciadas culturalmente e no seu modo de viver.
Estes grupos populacionais eram os Tehuelches, na vastidão das estepes da Patagónia, os Sélknam ou Onas, na ilha grande da Tierra del Fuego, os Kaweskar ou Alakalufes, nos canais ocidentais, desde o Golfo de Penas até ao Canal Brecknock e os Yámanas, na área do Canal Beagle.
Como já antes escrevi, a zona é fria, e no Inverno, muito fria mesmo, pelo que os índios Ona e os Yámanas, a fim de se protegerem das baixas temperaturas, acendiam fogos.
A especial adaptação do seu metabolismo (a temperatura do corpo era um grau superior à nossa), a gordura que colocavam nos corpos, algumas peles de animais servindo como vestuário, juntamente com as fogueiras, permitiam aos aborígenes enfrentar os gélidos e agressivos frios do sul do Continente Americano.
Porvenir e a sua envolvente foram para mim uma agradável surpresa.
Esta cidade, caracterizada por absoluta tranquilidade, grande isolamento e total segurança na sua vivência diária, foi fundada em 1894, e, aquando do último censo oficial, datado de 2002, contava com 5.406 habitantes, na sua maior parte descendentes dos primeiros habitantes da ilha grande da Tierra del Fuego e de emigrantes Croatas que, a partir de 1881, chegaram à Província motivados pela descoberta de ouro dois anos antes, na Serra Baquedano, e que iam com a esperança de encontrar uma melhor qualidade de vida.
A população tem a sua ocupação, fundamentalmente, na indústria das pescas e na actividade agro-pecuária, sendo de destacar que também existe a criação de cavalos Puro Sangue, que são criados livres de químicos e hormonas, pelo que se pode afirmar que se trata de uma eco-criação extensiva.
Ainda relacionado com a indústria das pescas, encontrei algo que não é novo para mim, apesar de poder parecer algo insólito e invulgar.
Assim, neste lugar remoto, muito longe da terra mãe, existe uma empresa de pescas da República Popular da China, que conta com duas famílias Chinesas, perfeitamente instaladas, ali fazendo a sua vida.
Já noutros locais do Mundo detectara situações análogas.
Dou um exemplo que nos está próximo, a Guiné-Bissau, onde, da última vez que lá estive, a situação era igual – empresa de pescas da República Popular da China e famílias deste País vivendo o seu quotidiano na antiga colónia Portuguesa.
Retomando o tema Porvenir, é de referir que a exploração dos mantos auríferos descobertos em finais do século XIX há muito que cessou, o que teve lugar entre 1908 e 1909, pelo que actualmente, já não constitui actividade com significado para os habitantes locais, apenas existindo alguns pesquisadores de ouro que utilizam as técnicas artesanais de há mais de cem anos.
Aliás, ainda hoje em Porvenir se encontram evidências do passado próspero reflexo da riqueza que a exploração de ouro proporcionava, de que são exemplo as diversas casas antigas, muitas delas autênticas mansões.
No próximo artigo, continuarei o relato desta ida até à Tierra del Fuego.
Rui Oliveira e Sousa
Agosto de 2006
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