Continuando com o iniciado no último artigo, tendo em vista "compreender" os últimos desenvolvimentos na Bolívia, irei abordar mais alguns factos importantes na difícil e bem agitada vida deste País Andino.
Como alguém escreveu, «esta república que traz o nome do "Libertador", é uma sucessão de esperanças perdidas como o foram os sonhos de Bolívar».
Realmente, desde a independência, a sua história está cheia de acontecimentos negativos para o País e para as populações.
Por exemplo, em termos de área geográfica, a Bolívia de hoje tem menos de metade do que era o seu território aquando da independência, dos 2,3 milhões de km2 passou para cerca de 1,1 milhões.
A Bolívia, que se estendia do Pacífico, incluindo a maior parte do deserto de Atacama e o porto de Antofagasta, até ao Grande Chaco, e ocupava uma parte da bacia amazónica, perdeu mais de metade da sua superfície inicial para os vizinhos Chile, Paraguai e Brasil.
A descoberta de ricos depósitos de nitratos no deserto de Atacama e o interesse dos Britânicos pelos mesmos, começaram por originar tensões na fronteira entre a Bolívia e o Chile, e mais tarde, conduziram ao desencadear de uma guerra fratricida, a do Pacífico, que opôs os dois Países vizinhos, entre 1879-83.
Como consequência da vitória do Chile, a Bolívia perdeu o acesso ao Oceano Pacífico, ficando sem 850 km de linha de costa e sem o porto de Antofagasta, que não mais conseguiu reaver.
Até hoje, todos os esforços feitos, principalmente políticos, falharam sempre.
Mais tarde, como resultado de um diferendo entre empresas petrolíferas, dá-se mais um conflito entre vizinhos, desta vez com o Paraguai.
A guerra do Chaco tem lugar entre 1932-35.
A Bolívia apoiava os interesses da Standard Oil sobre o Chaco, enquanto que o Paraguai apoiava os da Royal Dutch Shell.
A guerra foi particularmente mortífera, sobretudo como resultado de doenças.
O exército Boliviano, formado por soldados andinos, mal adaptados às terras quentes, e aconselhados por oficiais alemães, foi batido pelo do Paraguai, e assim a Bolívia perdeu mais 225.000 km2, correspondentes à maior parte do seu território do Chaco.
Já anteriormente, em 1904, a República Boliviana tinha "perdido" para o Brasil o Acre amazónico.
É pois com este rápido e significativo desmembramento do País para os seus vizinhos, que a Bolívia vê ser diminuída, em mais de metade, a sua superfície aquando da independência.
A singularidade de um País, cerca de um século depois de ter declarado a independência, já ver reduzida a sua área a menos de metade da que tinha aquando daquela data, perder o estratégico acesso ao mar, bem como importantes e ricos recursos naturais, foi sempre associada a muita e grave instabilidade política.
Naturalmente, que a quase permanente incerteza quanto à liderança política e ao rumo a trilhar pelo País, contribuiu decisivamente para perder o mencionado anteriormente.
Em pouco tempo, a Bolívia ficou terrivelmente mais pobre.
Outra evidência da instabilidade que sempre acompanhou a vida deste País, encontra-se no facto das frequentes mudanças de regime também serem muitas vezes acompanhadas por alterações da Constituição.
Assim, desde a declaração da independência em 6 de Agosto de 1825 até ao fim desse século, dez diferentes Constituições foram promulgadas.
Os Bolivianos perderam sempre, e, como lamentavelmente sucede em todo o lado, oportunistas e candidatos a ditadores aproveitam situações desta índole para "dar os seus golpes"!
O Coronel Hugo Banzer derrubou com um sangrento golpe de estado o General Juan José Torres, que dirigiu o País entre 1970-71, utilizando como bandeira a reivindicação de conseguir uma saída para o mar através do Chile.
Mais tarde, Banzer foi deposto em Julho de 1978 pelo General Juan Pereda Asbún, depois de eleições em que a vitória da coligação centro-esquerda de Hernán Siles Zuazo ter sido escamoteada por fraudes.
Desde então os golpes militares foram contínuos.
Em quatro anos, ocuparam a Presidência sete pessoas, e apenas duas eram civis.
A eleição de 29 de Junho de 1980 saldou-se por uma nova vitória de Hernán Siles Zuazo, com o dobro dos votos de Victor Paz Estenssoro.
Todavia, dezoito dias mais tarde, deu-se o mais violento dos 189 golpes de estado registados até então na história Boliviana, o Presidente eleito não tomou posse e segui-se uma vaga de assassínios em larga escala e de milhares de prisões.
Como demonstração inequívoca de que os cidadãos, regra geral, têm memória curta, qualquer que seja o País e o Continente que se analise, em 1 de Julho de 1997, o antigo e implacável ditador Hugo Banzer é eleito Presidente da República, conseguindo 22% dos votos, derrotou facilmente os outros candidatos.
Curiosamente, já em Julho de 1985, a memória dos eleitores Bolivianos dava mostras de algo poder não estar bem – Hugo Banzer venceu por escassa margem a eleição para a Presidência!
Porém, como não teve a maioria, a designação do novo Presidente, como prevê a Constituição, foi incumbência do Parlamento, e, a 6 de Agosto, Paz Estenssoro foi eleito como Presidente.
Um País, que ainda nem dois séculos tem, já teve oitenta Presidentes da República e cinco Juntas Governativas, sendo duas delas compostas por militares.
Os episódios que acabei de descrever, que até acabam por ser relativamente recentes, são bem elucidativos do que tem sido a política Boliviana, com todas as repercussões negativas que a mesma teve na vida dos cidadãos e no desenvolvimento do País
Considera-se que a Bolívia vive em democracia desde 1982 e já não é mais o País dos 180 golpes de estado em menos de 100 anos e dos seis Presidentes em menos de 48 horas (…), todavia, as marcas de uma vida política muito atribulada, a manutenção de discriminações sociais ao longo dos tempos, o aproveitamento dos recursos naturais por outros que não os Bolivianos, ou pelo menos, pela esmagadora maioria da população, talvez tenha contribuído para um estado de espírito na maior parte dos cidadãos, designadamente nos eleitores, que os levaram a votar no que lhes foi apresentado como uma mudança radical.
Eles pelo menos já sabiam por experiência própria, que as receitas e modelos que lhes "serviram" até agora, não lhes proporcionaram bem-estar social, emprego, condições para terem um melhor nível de vida, e assim, porventura, foram seduzidos por um discurso com contornos populistas, mas feito por um dos "seus", como antes escrevi.
Já afirmei que até há algum tempo atrás, nunca ouvira falar em Evo Morales, e, pelas declarações que tem vindo a fazer, bem como por actuações que lhe são atribuídas, bem como ao seu partido, e de que tive conhecimento na Bolívia, entendo ser prudente aguardar o desenrolar do seu mandato.
Contudo, o que escrevi nas "NOTAS DE VIAGEM" de hoje, bem como nas publicadas anteriormente, são somente factos e acontecimentos da história recente da Nação Boliviana, que, eventualmente, poderão contribuir para uma interpretação mais conforme de, pela primeira vez, ter sido "eleito um índio para a Presidência da República da Bolívia", como, mais uma vez o sublinho, em Dezembro passado, diziam e escreviam, muito surpreendidos, orgãos de comunicação social, analistas e comentadores políticos, governos…
Rui Oliveira e Sousa
Junho de 2006
“
Deixe um comentário