Lá em baixo, há campos de arrozais a perder de vista e há também a vila de Montemor-o-Velho, sede do concelho de mesmo nome, no distrito de Coimbra
As primeiras referências documentais à povoação e ao seu castelo remontam ao século IX, quando Ramiro I das Astúrias e seu tio, o abade João do Mosteiro do Lorvão, o conquistaram, no ano de 848. O soberano transmitiu ao tio estes domínios, com o encargo de defender o castelo, mantendo-lhe guarnição, cuja alcaidaria João entregou a D. Bermudo, filho de sua irmã, D. Urraca. Ainda naquele ano resistiu ao cerco que lhe foi imposto pelo califa de Córdoba, Abderramão II.
A verdade é que a posse da região entre os rios Douro e Mondego alternou-se entre cristãos e muçulmanos desde a segunda metade do século X até ao início do XI. De acordo com a ‘Crónica dos Godos’, a povoação e a sua fortificação foram conquistados em dezembro de 990 por al-Mansur. Muhammad ibn Abu ‘Amir (939-1002), de cognome ‘al-Mansur’ (‘O Vitorioso’) foi uma figura destacada da Península Ibérica muçulmana. Chefiou o exército muçulmano da Península durante mais de duas décadas e venceu inúmeras batalhas contra os cristãos. Uma dessas campanhas levou-o a Coimbra e à conquista de Montemor-o-Velho e terá sido depois desta data que este mandou reedificar o castelo. Povoação e fortificação voltaram a mudar de mãos mais do que uma vez: recuperados pelos cristãos em 1006 ou 1017, novamente retomados pelos muçulmanos em 1026, reconquistados por Gonçalo Trastamariz em 1034 e de volta à posse muçulmana.
O castelo medieval
A posse cristã definitiva pelos cristãos só ocorreria sob Fernando Magno após a conquista definitiva de Coimbra, em1064, que assegurou o domínio da fronteira no Mondego. Da fortificação árabe, já quase nada resta, porque o imponente monumento que hoje se vê resulta de sucessivas campanhas medievais. Durante a Reconquista cristã da Península Ibérica, foi um ponto estratégico na defesa da linha fronteiriça do baixo Mondego, em particular da região de Coimbra. Era, por isso, a principal fortificação da região, naquela época. Terá sido Afonso VI de Castela que reedificou a estrutura defensiva. Na mesma época, foi fundada dentro das muralhas a Igreja de Santa Maria da Alcáçova, muitas vezes reedificada nos séculos que se seguiram e que ainda lá se mantém. Com D. Afonso Henriques e Sancho I a estrutura foi reforçada, porque Montemor manteve a sua importância estratégica depois da independência.
Já depois da formação do reino de Portugal, o castelo continuou a ser disputado. D. Afonso II discordou do testamento no qual o seu pai o doara às infantas suas irmãs, Teresa e Mafalda, e só a intervenção papal sanou a discórdia. Foram, aliás, estas duas infantas que mandaram remodelar o paço do castelo, transformando-o num típico paço senhorial. Mais tarde, viria a estar no centro de novas contendas, primeiro entre Sancho II e Afonso III. Mas não se ficou por aqui a disputa por esta fortificação. No contexto da rebelião do infante D. Afonso, futuro D. Afonso IV, contra seu pai, o rei D. Dinis (1279-1325), o castelo, que estava desguarnecido, foi conquistado sem combate pelas forças do príncipe, a 1 de Janeiro de 1322. Neste período, foram feitas obras e os historiadores pensam datar desta fase a construção da barbacã e do troço da cerca a Norte.
O destino de Ines de Castro
Devido à sua preponderância militar no espaço nacional, o regente D. Pedro fez dele o seu paço pessoal. E foi ali, na sua alcáçova, a 6 de Janeiro de 1355 que D. Afonso IV se reuniu com os seus conselheiros para para debater o perigo que constituía para a política portuguesa a união do infante D. Pedro com Inês de Castro. Filha de um dos mais poderosos nobres de Castela, Inês vivia maritalmente com o herdeiro do trono desde a morte da mulher deste, em 1345. Uma ligação que desagradava à corte, sobretudo pela grande influência que os irmãos de D. Inês exerciam sobre o futuro rei bem como pela possibilidade de um dos filhos ‘bastardos’ do casal poder, um dia, ascender ao trono. D. Afonso IV deixou-se convencer de que o amor de Pedro e Inês era um assunto de estado, e que a nobre castelhana era um perigo para a independência nacional. Por isso, daquela reunião resultou a decisão do rei e, poucos dias depois a seu mando, D. Inês de Castro era assassinada no Paço de Santa Clara, em Coimbra.
A importância militar e estratégica deste castelo manteve-se ao longo dos séculos seguintes, como prova, por exemplo, o facto do seu comando ter estado sempre nas mãosdede figuras de destaque da nobreza de Portugal. Afirmava-se ainda que as suas grandes dimensões permitiam aquartelar até cinco mil homens de armas em seu interior. No contexto da crise de sucessão de 1580, acredita-se que o castelo tenha recebido a visita de D. António, Prior do Crato, quando visitou a vila por cinco dias, em Setembro de 1580, ocasião em que tentava articular a defesa, na linha do Mondego, da independência de Portugal.
Da Guerra Peninsular até hoje
No contexto da Guerra Peninsular (as invasões francesas de Espanha e Portugal), as dependências do castelo de Montemor-o-Velho foram ocupadas pelas tropas francesas de Napoleão, entre 1807 e 1808, sob o comando de Jean Junot. Três anos mais tarde, no caminho da retirada das tropas derrotadas de André Masséna, foi saqueado e depredado, juntamente com a vila. Cerca de 20 anos depois, com a extinção das Ordens Religiosas em Portugal (1834), o seu pátio de armas passou a ser utilizado como cemitério da vila. Nessa fase as pedras do castelo foram reaproveitadas pela população local e em 1877 uma das suas torres foi adaptada como Torre do Relógio.
Desde 1910, o Castelo de Montemor-o-Velho e a Igreja de Santa Maria da Alcáçova estão classificados como Monumento Nacional e em 1929, por iniciativa de um particular, António Rodrigues Campos, empreendeu-se uma campanha que chegou a promover alguns restauros no monumento. Em bom estado de conservação, o imponente castelo está atualmente aberto ao público. Se for a Montemor-o-Velho, não deixe de visitar este monumento, que no seu interior alberga a Igreja de Santa Maria da Alcáçova a Capela de Santo António e a Igreja da Madalena cuja atual estrutura data dos séculos XV e XVI. Na nova cerca há ainda as ruínas da Capela de São João. E, já agora, aproveite para retemperar energias na Casa de Chá Paço das Infantas, um espaço amplo e moderno envolvido pelas muralhas da fortificação.
Igreja de Sta Maria da Alcáçova
A igreja de Santa Maria da Alcáçova remonta ao século XI, mas as reconstruções e acrescentos que se realizaram ao longo de vários séculos alteraram o seu traçado inicial. A tradição diz que foi fundada em 1090, quando era conde de Coimbra o moçárabe Sisnando Davidiz. Entretanto, seria reedificada e consagrada nos inícios do segundo quartel do século XII. Foi reedificada definitivamente no primeiro quartel do século XVI, período de afirmação, em Portugal, do estilo manuelino. A obra foi atribuída ao arquiteto Francisco Pires, sob a ordem do bispo-conde D. Jorge de Almeida. A fachada desta antiquíssima igreja tem uma grande sobriedade. O portal, em arco, é encimado por pedras de armas do bispo-conde D. Jorge de Almeida. No interior, o templo convida ao recolhimento. É dividido em três naves por uma série de arcos quebrados, de grande beleza.
A igreja é ornamentada por diversos trabalhos de escultura de várias épocas, feitos por mestres da região. Entre estes está o retábulo renascentista atribuído ao mestre João de Ruão, com esculturas representando uma ‘Virgem da Expectação’, uma Santa Luzia e uma Santa Apolónia. Na capela-mor há um retábulo seiscentista, em talha dourada, e na Capela do Sacramento ressalta um outro retábulo do século XVI, minuciosamente decorado, com sacrário trabalhado como se fosse um templo, contendo nos nichos imagens de S. João Batista e da Aparição de Cristo à Virgem e a Maria Madalena.
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