Os portugueses estão a afastar-se da dieta mediterrânica, os adolescentes consomem mais refrigerantes e 24,3% dos homens acima dos 15 anos consome álcool em níveis considerados excessívos…
Os portugueses estão a afastar-se da dieta mediterrânica e a ingerir alimentos menos saudáveis. A quantidade de alimentos disponíveis para cada adulto em Portugal é quase duas vezes o consumo recomendado, uma oferta desequilibrada que tem vindo a afastar-se da dieta mediterrânica, revela a Balança Alimentar Portuguesa (BAP) divulgada no dia 7 deste mês pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
“As disponibilidades alimentares para consumo no período 2012-2016, continuam a evidenciar uma oferta alimentar excessiva e desequilibrada que tem vindo a afastar-se progressivamente do padrão alimentar mediterrânico, ainda que na última década se tenham observado algumas melhorias”, refere o Instituto Nacional de Estatística.
Neste período, que “ficou marcado pelo último ciclo recessivo, com epicentro em 2012”, o que levou a que a generalidade dos grupos alimentares apresentasse disponibilidades inferiores às do período 2008-2011, estavam disponíveis para consumo 8,6 milhões de toneladas de alimentos brutos, exceto bebidas. “A sua conversão em calorias revela um aporte calórico médio de 3.834 kcal (3.938 kcal no período 2008-2011), com um mínimo de 3.811 Kcal em 2012 (o nível mais baixo desde 2005) e um máximo de 3.895 kcal em 2016”, refere a BAP. O valor recomendado por cada adulto é de cerca de duas mil calorias diárias.
Em média, cada português tinha disponível diariamente para consumo 213,3 gramas de carne, 54,3 gramas de pescado, meio ovo, 332,7 gramas de leite e produtos lácteos, 338,7 gramas de cereais, 217,1 gramas de batata, 288,2 gramas de hortícolas, 222,2 gramas de frutos, 8,0 gramas de leguminosas secas, 102,9 gramas de óleos e gorduras, 73,6 gramas de açúcar, 23,7 gramas de produtos estimulantes, 547,7 mililitros de bebidas não alcoólicas e 266,7 mililitros de bebidas alcoólicas.
Quando comparada com o padrão alimentar recomendado pela Roda dos Alimentos, há “excesso de oferta de produtos alimentares dos grupos da “carne, pescado e ovos”, com 11,5 pontos percentuais acima do consumo recomendado, e dos “óleos e gorduras”, resultados que já se verificavam em edições anteriores da BAP. Já a oferta disponível para os grupos de hortícolas, frutos e leguminosas secas é deficitária, com disponibilidades de -7,3 pontos percentuais e -6,8 pontos percentuais, respetivamente, adianta a BAP, que analisa a oferta de alimentos, enquadrando as disponibilidades alimentares e a respetiva evolução em Portugal, em termos de produtos, nutrientes e calorias.
O INE destaca ainda o “desvio negativo” do grupo leite e produtos lácteos de menos 0,7 pontos percentuais, quando em 2012 apresentava um desvio positivo de mais 1,6 p.p. face à Roda dos Alimentos. Tendo em conta os valores de referência diários de vitaminas e minerais para um adulto, verificou-se que “as disponibilidades diárias ‘per capita’ destes microconstituintes estão acima destes limiares”.
Analisando o quinquénio 2012-2016, o INE refere que foram “várias as ocorrências com impacto nas disponibilidades alimentares”, nomeadamente o período recessivo da economia (2011-2013), a extinção do regime de quotas leiteiras, o embargo da Rússia à carne europeia, a aplicação da Diretiva Bem-Estar Animal, as ações de sensibilização para hábitos de alimentação mais saudável. “A alteração de hábitos alimentares e a extinção do regime de quotas leiteiras agravaram a redução do consumo aparente de leite, a situação de seca em 2012 reduziu ainda mais as disponibilidades de carne e os limites à captura de sardinha impostos no quadro das medidas de gestão adotadas para este recurso tiveram forte impacto na evolução das capturas de pescado”, sublinha a BAP.
Um inquérito à saúde
A Universidade do Porto realizou em 2015-2016 um Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, que teve o apoio institucional da Direção-Geral da Saúde, da Administração Central do Sistema de Saúde, das Administrações Regionais de Saúde, das Secretarias Regionais de Saúde dos Açores e da Madeira e da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos. Teve como objetivo principal recolher informação de representatividade nacional e regional – dos 3 meses aos 84 anos de idade – sobre o consumo alimentar e sobre a atividade física e a sua relação com a saúde.
Foram avaliados 6553 participantes através de uma entrevista presencial e destes, 5819 completaram as duas entrevistas previstas, intervaladas no tempo entre 8 a 15 dias e distribuídas durante 12 meses – de outubro de 2015 a setembro de 2016.
O conhecimento produzido inquérito “permitirá dar resposta a prioridades estratégicas em saúde, nacionais e internacionais, e constituirá uma base sólida para o desenvolvimento de políticas de educação alimentar e de atividade física, bem como de políticas de segurança alimentar, em Portugal e na União Europeia”, destacam os responsáveis pela sua realização.
O que consomem os portugueses?
O inquérito revelou que comparando com as recomendações da Roda dos Alimentos, os portugueses estão a consumir proporcionalmente mais 10% de carne, pescado e ovos e 2% de laticínios, e pelo contrário menos fruta (-6%) e produtos hortícolas (-12%), bem como cereais (-12%).
Mais de metade da população não cumpre a recomendação da Organização Mundial da Saúde de consumir mais de 400g/dia de fruta e produtos hortícolas, equivalente a 5 ou mais porções diárias. E este incumprimento é superior nas crianças e nos adolescentes, dos quais 69% e 66% não cumprem as recomendações. As regiões com maior incumprimento são os Açores (69%) e a Madeira (60%), sendo o Algarve a região com menor prevalência de inadequação (47%).
O consumo diário igual ou superior a 50g de carnes processadas é observado em 2,6% da população – com maior incidência nos adolescentes (3,9%) e nos nos adultos (3,8%) – e de mais de 100g de carne vermelha em 34%.
O consumo diário de refrigerantes ou néctares (equivalente a 220 g/dia) é de 17%, sendo essa prevalência superior nos adolescentes: 40,6%, 31% nas raparigas e 49% nos rapazes. Quanto ao consumo médio de bebidas alcoólicas, é de 146g/dia, maior nos homens (187g/dia) em comparação com as mulheres (27g/dia) e nos idosos (298g/dia) em comparação com os adultos (195g/dia). E há outro dado alarmante: na população com 15 ou mais anos, 5,4% das mulheres e 24,3% dos homens consome álcool em níveis considerados excessívos.
O inquérito questionou também os omportamentos alimentares dos portugueses, desde os bebés aos idosos.
Ao analisar o padrão de consumo, a prevalência nacional é o pequeno-almoço, feito por 94,7% dos inquiridos, sendo semelhante entre os grupos etários. E nem todas as pessoas fazem o almoço e jantar diariamente. Das refeições intercalares, a mais frequente é o lanche da tarde. As crianças fazem mais frequentemente a merenda do meio da manhã. Os portugueses tomam o pequeno-almoço mais frequentemente por volta das 8h da manhã, o almoço pelas 13h e o jantar pelas 20h.
Ficou-se a saber também que aproximadamente 37% das crianças com menos de três anos fez aleitamento leite materno durante menos de quatro meses e apenas 16,3% o fez durante 12 ou mais meses. A percentagem de crianças com menos de trÊs anos que nunca foi amamentada em exclusivo é de 19,8%. Quase 80% das crianças consumiu leite de fórmula e 29,8% leite de crescimento antes dos três anos. A introdução precoce do leite de vaca, isto é, antes dos 12 meses, é realizada por 41,1% das crianças.
Quanto aos cada vez mais referidos produtos de agricultura biológica, em Portugal são consumidos por apenas 11,6% da população adulta nacional, e bem menos frequentemente pelos idosos. Os produtos hortícolas e a fruta orgânica são os mais consumidos diariamente.
A alimentação e a crise…
Em 2015-2016, mais de dez por cento das famílias em Portugal tiveram dificuldades em fornecer alimentos suficientes a toda a família (insegurança alimentar), devido à falta de recursos financeiros. E 2,6% destas famílias revelaram “experimentar insegurança alimentar moderada ou grave, durante este período, referindo a alteração dos seus hábitos alimentares habituais, e a redução do consumo de alimentos, em muito casos alimentando-se com poucos alimentos ou até mesmo que “sentiram fome mas não comeram por falta de dinheiro para adquirir alimentos”.
O inquérito chegou a esta estimativa através de um inquérito a agregados familiares com e sem menores de 18 anos.
A prevalência da insegurança alimentar variou consideravelmente entre regiões, atingindo mais famílias da Região Autónima dos Açores (13,4%) e da Região Autónoma da Madeira (13,2%) e menos nas regiões Centro (8,5%) e do Algarve (5,8%). Porém, é na Região do Alentejo que se encontra a maior prevalência de situações de insegurança alimentar moderada a grave (4,2%).
Como era esperado, as famílias com rendimentos disponíveis inferiores ou próximos do salário mínimo nacional, e as famílias com baixa escolaridade, foram as que tiveram mais dificuldades em alimentar-se de forma saudável ou em obter os produtos necessários a uma correta alimentação.
As famílias classificadas em situação de insegurança alimentar moderada a grave, representavam mais de 214 mil famílias a nível nacional e, reportaram as seguintes condições:
– 97,2% reportaram receio de que a comida acabasse antes de terem dinheiro para comprar mais.
– 100% reportaram que os alimentos comprados já tinham acabado e não tinham dinheiro para comprar mais.
– 94,2% reportaram não conseguir comprar alimentos para fazer refeições completas e saudáveis.
– 92,3% reportaram que um adulto comeu menos ou deixou de comer, porque não havia dinheiro suficiente para comer.
– 97,8% reportaram que esta situação ocorreu frequentemente (em 3 ou mais meses do ano)
– 95,3% reportaram terem comido menos do que deveriam porque não havia dinheiro suficiente para comer.
– 64,0% reportaram terem sentido fome mas não terem comido porque não tinham dinheiro suficiente para comer.
– 48,8% reportaram terem perdido peso porque não tinham dinheiro suficiente para comer.
– 6,0% reportaram que algum dos adultos da família passou um dia inteiro sem comer, porque não havia dinheiro suficiente para comer.
A maioria das famílias tem menores de 18 anos e todas revelaram que esta situação ocorreu frequentemente: em 3 ou mais meses do ano. Uma em quatro destas famílias indicaram experimentar insegurança alimentar moderada ou grave, durante este período.
Dezassete por cento das famílias reportaram receio de que a comida acabasse antes de terem dinheiro para comprar mais (97,2% em situação de insegurança alimentar moderada a grave) e onze por cento revelaram que os alimentos comprados já tinham acabado e não tinham dinheiro para comprar mais. Quinze porcento das famílias rinformaram não conseguir comprar alimentos para fazer refeições completas e saudáveis.
“A informação recolhida e os dados preliminares agora apresentados, permitirão produzir conhecimento detalhado e rigoroso sobre a insegurança alimentar em Portugal, nutrição e saúde. Este instrumento é adequado para a monitorização de políticas e de programas de apoio alimentar e os seus impactos na insegurança alimentar da população”, refere a Universidade do Porto no texto do relatório.
O inquérito destaca ainda que a adesão elevada ao padrão alimentar Mediterrânico ocorre em apenas 27,8% dos portugueses, superior no sexo masculino (29,1%) do que no feminino (26,6%), superior nos indivíduos idosos (43,7%) e muito inferior nos adolescentes (8,6%). A prevalência ponderada e padronizada para sexo e idade é superior nas regiões Centro, Alentejo e Norte e inferior na Região Autónoma dos Açores.
A primeira grande diferença entre a dieta mediterrânica e outros padrões alimentares é a ingestão quotidiana de verduras, legumes e frutos (frescos e secos), o que lhe dá um grande aporte de fibra. A segunda grande diferença é a utilização do azeite como principal gordura alimentar.
A terceira diferença é o baixo consumo de carne vermelha e a preferência dada ao peixe, sobretudo peixe gordo como sardinha, cavala, carapau etc…, e às carnes brancas. O vinho, sobretudo tinto, é bebido às refeições com moderação, a água com abundância.
Ana Grácio Pinto
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